10 de fevereiro de 2012

A questão da escova de dentes




Atualmente estou  morando em uma casa que contém apenas o básico para que uma pessoa viva confortavelmente. É uma situação provisória, enquanto minha vida se ajeita em certos eixos. Tenho alguns eletrodomésticos, como geladeira e fogão, minha cozinha está equipada com um talher de cada tipo, uma panela e dois pratos. Conto com uma cama confortável, algumas poucas roupas, itens de higiene pessoal e o meu computador. E, desde ontem, estou sem televisão.
Aqui na minha casa, em geral, reina o silêncio. Fico só, apenas eu e minha própria sombra, perambulando pelos quartos vazios e pela sala pouco mobiliada. No entanto, apesar da aparente simplicidade, devo dizer que essa vem sendo uma experiência de valor inestimável para mim.
Lembro-me de uma vez, há alguns meses, em que fui escovar os dentes no toillete de um restaurante de um hotel junto a uma grande amiga. Chegando lá, verificamos que todas as pias estavam ocupadas. Nós estávamos com pressa, então já retiramos as escovas da bolsa, e preparamo-las com a pasta de dentes. Eu permaneci imóvel, aguardando pela liberação de uma pia para que eu pudesse umedecer a minha escova. Notei, então, que a minha amiga não pensou duas vezes e logo começou a escovar seus dentes lá mesmo. Provavelmente, eu a encarei com o mesmo estranhamento com que ela me olhou, ao perceber que eu permanecia estática, com a escova parada nos dedos. Eu nunca havia sequer cogitado a possibilidade de escovar os dentes sem molhar a escova antes. A ordem das coisas para mim deveria ser escova-pasta-água-boca, sem questionamentos ou indagações. Mas em um segundo meu pequeno mundinho Tandy foi por água abaixo, e com um simples olhar minha amiga apontou para o meu pequeno-grande paradigma. 
No fim das contas, naquele dia descobri que não havia apenas uma ordem ou regra. Aprendi que escovar os dentes sem molhar a escova dava um desconforto de meio segundo, mas depois todo o processo parecia exatamente igual.
No meu atual acampamento (como apelidei carinhosamente minha casa), todos os dias em algum momento sou tomada por essa sensação de não aguar a escova. É quase como colocar uma luz repentina em um canto de uma sala, e então descobrir que o que você antes achava ser parede, era uma janela.
Dia desses fui ao mercado, e comprei um pé de alface para enfeitar o meu sanduíche. Ao abri-lo, por pouco não estraguei violentamente o plástico que o protegia. Pude conter-me quando lembrei que não havia nenhum recipiente para armazená-lo, e que se eu quisesse voltar a comer alface nos outros dias, deveria desembalá-lo carinhosamente, sem romper a embalagem.
São fatos pequenos, eu sei. Mas assim, com tão pouco, descobri que não preciso de muitas coisas para viver. Talvez até pudesse abrir mão do micro-ondas, que não utilizo há mais de uma semana. 
Compro pouco, e sempre aquilo que com certeza irei consumir. Sem neuroses ou dificuldades, descobri dezenas de formas diferentes de não gastar tanta água ou luz. Como nenhum canal de televisão está funcionando, já tive oportunidade de assistir a ótimos filmes que estavam na fila de espera há meses. Organizei minhas finanças, minhas metas de ano novo, tive um tempo incrível para ficar comigo mesma. Não consigo mais levar uma louça à cozinha sem lavá-la imediatamente.
Faz quase dois meses que o lugar em que moro mudou completamente, e talvez alguns o descreveriam como solitário e triste. Eu, contudo, ainda acho incrível como esse novo lugar cheio de vazios abriu em mim novos espaços.
E, de verdade, poucas vezes fui tão feliz.

________________________________________________