24 de junho de 2012

Cinco anos e meio





Lembro da escada irregular que eu subia, e que era cercada por um matagal disforme, invasivo, que exalava um odor úmido que me dava vontade de fazer inspirações que durassem a eternidade. 
Eu caminhava à frente. Quatro pézinhos de pequenos passos incertos seguiam-me. Meus sapatos tinham pequenas lâmpadas à sola, que piscavam luzes vermelhas no contato com a terra. Eram os sapatos que guiavam quem vinha atrás de mim, pois me dotavam de um certo poder de não só ter meus passos anunciados, como de controlar exatamente o efeito que eles produziam sobre o solo.
Eu olhava para cima, e via que aquela escada não tinha fim. Por um momento imaginava que, talvez, eu permaneceria ali para sempre. Deveria ter me despedido dos meus pais. Eu nunca mais voltaria a vê-los, pois eu tinha a grande missão de subir uma escada infinita e, além disso, tinha a responsabilidade de cuidar dos dois pequenos que me acompanhavam, na crença de que eu sabia o que estávamos fazendo. Eu não queria assustá-los, era melhor guardar toda a verdade para mim: eu não sabia para onde estávamos indo, ou se conseguiríamos voltar.
Pensei em nunca mais tomar o sorvete derretido com chocolate da casa da minha avó e por um segundo tive vontade de chorar. Passou rápido quando olhei para cima - tática infalível -, e os meus olhos encontraram a copa das árvores que gentilmente deixavam passar feixes de luz solar que tocavam de leve a minha pele e secavam meus olhos.
Pior seria se a escada tivesse um fim. Que mil perigos e mistérios poderiam ter lá, no topo? Talvez a casa de um gigante que jamais nos deixaria voltar. Talvez ele nos prendesse em uma gaiola, e teríamos que pensar em táticas para que ele não visse que estávamos gordinhos e saudáveis (prato para uma boa refeição de gigante). Talvez houvesse uma cidade de piratas e bandidos, que nos obrigassem a vestir roupas sujas e a viver com eles para sempre. Talvez uma bruxa má com uma maçã ou um dragão cuspidor de fogo. 
Diante de tantos perigos não foi o medo, mas um espírito de aventura que se apossou de mim. Como se minha subida ganhasse uma trilha sonora de animados sons de trompete e tambores, enchi-me com toda a coragem que eu nem sabia possuir. Voltei-me para aqueles novinhos atrás de mim, me olhavam de baixo para cima com um meio sorriso e com um ar de admiração que me tornou mais poderosa do que mil gigantes.
Ainda subindo, vi que a escada se aproximava de seu final. Pronto. Ela realmente tinha um fim.
Mas agora eu não era mais tão pequenininha, nem tão chorosa: o sol secou minhas lágrimas covardes e eu tinha duas almas para salvar dos perigos do mundo.
Ouvi o ruído seco do meu tênis pisar pesado no último degrau. Finquei meus pés na terra como se hasteasse uma bandeira no topo de uma montanha. Eles chegaram um pouco depois de mim, e nós três ficamos parados olhando ao redor. 
Era incrível como a minha coragem, de tão grande, tinha espantado todos os gigantes, bruxas e piratas que viviam ali. Só havia restado o canto dos pássaros e folhas secas que rodopiavam pelo chão.
E, nessas conversas em silêncio das crianças, gargalhamos juntos, e descemos. Para poder subir mais uma vez.