8 de setembro de 2016

O amor e a eternidade da amiga.



À Amy: mulher, amiga, eterna. 

Quantas vezes ouço mulheres proferirem como se fosse de grande vantagem que "preferem ter Os amigOs". Por quê? Porque são mais simples, dizem. Ou porque são mais leais, ou porque não competem, porque são mais sinceros, ora, porque neles que confio e acabou-se a história. Reservo a elas o direito de serem como bem entenderem, é claro, mas confesso que tais falas me atravessam como uma flecha em chamas.
Tive e tenho amigos, e os amo. Mas é em defesa das amigas que falo agora, e peço que ninguém se sinta diminuído por isso.
Ora, Eva comeu o fruto proibido e por isso todas as mulheres tiveram que pagar o pato: não-confiáveis, pecadoras, seduzíveis, desleais, um tanto burras. Por isso não gosto de quem quer que tenha inventado essa história toda do paraíso e da serpente. Mas isso é assunto pra outro dia.
Foi às amigas que sempre confessei minhas mágoas mais doloridas, meus erros mais vergonhosos, meus medos mais sombrios. Foi nelas que encontrei espaço para poder ser quem eu era, e foi com as dores delas que também aprendi a não sofrer só as minhas próprias dores. Sempre as primeiras a notar aquele borrado na maquiagem, por descuido ou tristeza. As únicas a acolherem aquilo que nem você mesma é capaz de aceitar em você mesma.
Ainda que sempre tido como vínculo frágil, ano após anos nas salas de escola o fenômeno se repete: lá estão duas amigas. Não se desgrudam. Brigam uma pela outra. Fazem juntas todos os trabalhos em dupla. Falam ao telefone. Ouvem diariamente que mulher é isso e aquilo, mas, lá estão elas. Num mundo em que fomos criadas para competir, ser amiga é resistência.
É à amiga que confiaremos nossos primeiros segredos em geral contados à noite, ela deitada em um colchão e você em outro, a luz apagada, mas as bocas tagarelas e risonhas sem conseguirem calar-se. Ao contrário do que dizem as más línguas, sim, ela os guardará. Porque a língua que sai destilando contra ti não é e nunca será a dela. Aliás, é por causa da amiga que na alvorada de nossas vidas a palavra "segredo" ganha sentido.
Em seu colo a cabeça deitará, e as lágrimas escoarão sem pudor algum. Não há sentido para precisar parecer forte, ou bela, ou sensual, ou madura, ou bem resolvida para a amiga. Afinal, a amizade entre mulheres é uma relação que pode existir sem nenhum vestígio de hierarquia e, sendo assim, como amigas poderemos exibir e aceitar nossa mútua imperfeição e achar graça das nossas coisas ridículas. Nesse amor despretencioso, poderá florescer os primeiros ensaios de maternagem das duas amigas, e como num passeio entre futuro e passado, aceitaremos cuidar como mães calorosas e ser cuidadas como criancinhas feridas.
Com sorte - mais um tanto de resistência -, as amigas poderão crescer juntas, e o tempo será para elas como adubo na terra, não sal cruel que enferruja tantas outras relações antigas. Uma será plateia no espetáculo da vida outra, mas deixará de ser espectadora no instante em que algo der errado. Ao primeiro tropeço, a mão que aplaude torna-se a mão que ampara. 
E um dia, no crepúsculo de nossas vidas - que poderá não obedecer nenhum relógio -, uma das duas poderá partir primeiro. Em silêncio, levando consigo todos os seus segredos, conforme prometido na escola. 
A que fica sentirá um vazio sem tamanho sobre o qual pouco se disse na poesia e na literatura, mas que é tão real que se pode ver. Basta olhar bem nos olhos da amiga órfã, e lá enxergará um buraco. Verá, ainda, que a amyga vive eternamente ali, navegando no mar que preenche os olhos e a memória.
É difícil não sucumbir a um mundo em que toda mulher é uma Eva em potencial, e que O amigO é o verdadeiro. Mas, entre todo concreto pode nascer uma flor. Eis o belo das opositoras, que podem viver uma vida inteira unidas, do alvorecer até a madrugada. Esse é o nosso maior segredo.