1 de abril de 2009

Duetos e duelos.

Numa observação panorâmica sobre as coisas, chego à conclusão que tudo se constitui a partir da relação entre, pelo menos, dois elementos.
O som só surge a partir do atrito, que implica em haver dois. O amor pede que existam dois. Não necessariamente dois que amam, basta um amante e um amado. A palavra só surge a partir de dois: quem a fala e quem a ouve. Se ninguém a ouve que seja o papel, então: o escritor e seu papel. O escultor e sua pedra.
Ninguém faz nada por si só, pura e simplesmente. Um homem precisa de alguma outra coisa, de algum outro alguém. As coisas precisam uma das outras para existirem, para serem coisas e construírem-se da forma que são.
É do atrito que se faz a vida, a beleza do existir. Da relação entre as coisas, dos contrastes de cores, dos sons. Os encontros dos campos gravitacionais giram o mundo, e regem a complexa inter-relação entre todos os sistemas e galáxias que ainda desconhecemos.
O movimento só se dá quando há uma dupla, pelo menos. E essa dança dá luz a duetos encantadores, harmonias deliciosas e lindas de se ver. O encontro da seda com a pele, do mar com a areia, de dois lábios que se beijam, do vento com as folhas que desprendem-se das árvores. São duetos que quase bailam, rodopiam sobre nossos corações.
Ora, duelos são igualmente encontros, e tão inevitáveis que penso que já deveríamos estar mais acostumados com eles. O desequilíbrio do duelo é necessário, capaz de transformar qualquer dueto antigo, capaz de gerar novos equilíbrios.
Vivo trocando entre o dueto e o duelo: do dueto tiro a calmaria necessária para aquietar-me diante de tantas ideias que estão nos bastidores de meus escritos, e do duelo vem a força necessária para sustentar essa torrente. Esses dois movimentos são tão necessários quanto são complementares, e entendo que a minha briga eterna com as palavras é um duelo que tem um quê de beleza.
Amo as palavras com a mesma intensidade em que às vezes odeio-as, e vivemos nessa relação sinuosa, instável e apaixonada, que sei que é eterna. Nelas posso encontrar refúgio, posso afogar-me e salvar-me. Ao mesmo tempo, elas podem ser insuficientes e traiçoeiras, fungindo de mim justamente quando mais preciso delas. Da minha luta e com as palavras surgem alguns textos, algumas poesias, algumas crônicas, enfim... coisas que brotam dessa nossa relação que passeia entre o dueto e o duelo constantemente.
Alguns fragmentos dessas coisas filhas de um atrito às vezes gentil, às vezes vendavalesco, estarão aqui, esperando por algum leitor curioso que talvez aprecie um dueto açucarado. E que não se assuste com duelos sangrentos.

2 comentários:

Cristina disse...

Pô que legal esse texto Alê! Daria pra desenvolver esse pensamento por páginas a fio!! Tô gostando de ler suas publicações :-)

Alê Fernandes disse...

Olá, Cristina! Gosto muito de saber que você sentiu que esse texto poderia ter uma continuidade... Acho que o que mais quero é mesmo que o que escrevo incite a reflexão, o livre-pensamento :)