13 de janeiro de 2014

Prisões de Barro




Ouvi dizer que o João de Barro, marido dedicado, após gastar todos os seus esforços para construir uma casa no campo que agrade sua amada, tornava-se um parceiro ciumento e possessivo. No fundo, sua mansão de barro não passava de um artifício para cobrar da fêmea fidelidade eterna, e a passarinha teria de aceitar ser trancada até a morte caso se apaixonasse por outra alma voadora que não a de seu primeiro marido.
Ao saber disso, achei que o João de Barro não passava de um machista retrógrado, desse tipo de homem que põe o orgulho acima de qualquer outro valor e, pior, não sabe fazer um nó de gravata sem depender de sua esposa. É esse tipo de macho que acredita que a esposa é como a mãe, e o casamento é equivalente a um contrato de devoção e dedicação vitalícia. Pior ainda, julguei o João de Barro, esse reacionário bicudo, incapaz de aceitar uma mudança e simplesmente alçar novos voos e também deixar voar.
Enfim, pensei mal sobre a ave. Também não perdoei a Maria de Barro, que aceitava passivamente essa situação, que provavelmente assistia seu frio marido colocar bolotas de argila até fechá-la para sempre numa tumba. Onde está Simone de Beauvoir nessa hora?
Chegou um dia, então, em que eu tive que me despedir. Não para sempre, não por definitivo. Apenas por um tempo, o meu amado iria ficar longe. E no aeroporto, a poucos metros de distância da aeronave de partida, quis com todas as minhas forças prendê-lo numa casa de barro, sem portas ou janelas, e deixá-lo ali. Para que não ousasse voar para longe de mim outra vez.
Abracei-o como se não fosse mais largá-lo, e realmente não ia. Beijei-o como se meus lábios tivessem o poder de enfeitiçá-lo, e fizessem com que ele entendesse a ameaça real que sofria naquele momento. Agora a sequestradora retrógrada seria eu.
Sou humana, e não João-de-Barro, e não houve argila que o prendesse ao meu lado. Nossas mãos se separaram, e lentamente o vi caminhando na fila zigue-zague que conduzia até o detector de metais. Foi exatamente nesse instante que percebi: afinal, as asas foram feitas para serem usadas, sejam elas de pena ou com turbinas.
Foi quando soube que essa história sobre o João de Barro só poderia ser alguma lenda injusta. É da natureza de um passáro voar, assim como é da natureza daquele que ama permitir o voo. Aquele que ama pode sustentar a despedida, porque a presença do amor não é física. A mansão de barro que construímos juntos é lar que vive dentro, e não fora. Ela não aprisiona, apenas protege e acolhe.
E foi assim que, depois compreender a natureza carente do desejo de impedir o voo, soube que tanto João quanto Maria eram inocentes dessas acusações. João, ao amar, não aprisionaria sua Maria, assim como eu também não pude fazê-lo. O que mais queria era vê-lo voar bem alto.

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E eu estava certa. Para saber as origens do mito, clique aqui.

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